Ansiedade por separação

Nos dias de hoje nós, humanos e tutores do século XXI, estamos tendo um estilo de vida bem diferente de tempos atrás. Deixamos de ter filhos, trabalhamos demasiadamente, moramos em espaços cada vez menores. Estamos sempre acelerados, e nem sempre sabemos quem são nossos vizinhos.

Deixamos de ter filhos para ter animais de estimação. Decorrente desse novo estilo de vida, nós seres humanos, influenciamos nossos animais de estimação com nossas frustrações, medos e inseguranças. Na nossa carência, damos excesso de zelo para nossos companheiros sem saber se esse zelo é benéfico ou não para eles.

A criação de vínculos cada vez mais fortes entre tutores e seus animais aliado à falta de informação relacionada ao comportamento natural dos cães e suas necessidades básicas para compor o bem estar dele leva ao surgimento de comportamentos anormais.

Consequentemente, nos últimos anos, têm-se tornado crescentemente animais apresentando problemas comportamentais. E um desses problemas é a Ansiedade por Separação (SAS).

O QUE É A SÍNDROME DA ANSIEDADE POR SEPARAÇÃO (SAS)

A Síndrome de Ansiedade por Separação (SAS) acontece quando o cão precisa ficar afastado fisicamente de seu tutor ou por outra figura de apego.

Quando por exemplo são deixados sozinhos em casa. Esses cães podem apresentar diversos comportamentos como: vocalização, destruição de objetos, xixi e cocô fora dos lugares desejados, se automutilar (lambedura excessiva, por exemplo), querer sair do ambiente e se machucar.

A síndrome também pode incluir vômitos além de acontecer problemas compulsivos a partir dessa síndrome. Porém pode acontecer o inverso, a depressão. E ela é a mais difícil de ser diagnosticada.

O tutor nunca vai atrás de um ajuda por que seu cão está “tranquilo” em casa.  Pesquisas demonstram que o cão deixou de ser um cão de quintal e passou a ser um membro da família.

Essa mudança do tratamento dos proprietários para com os seus animais geram distúrbios psicossomáticos que muitas vezes são incompreendidos pelos mesmos, pois muitos não sabem qual é o comportamento canino normal ou podem ter expectativas irreais do cão, pois eles só conheceram cães individuais como membros da família e não observaram os aspectos mais universais dos comportamentos caninos.

Assim, observa-se a necessidade do esclarecimento do Médico Veterinário Comportamentalista para com seus clientes sobre o comportamento de seus animais e quais as atenções necessárias para que os mesmos tenham qualidade de vida. 

A origem da SAS ainda não é muito conhecida e tem muitas possibilidades. Porém estudos indicam que há uma falha no desenvolvimento social do cão com o ambiente, interação com os humanos e até com outros animais.

  • Cães quando separados muito cedo da mãe e ninhada transferem para o tutor (humano) uma dependência maternal. São cães que normalmente tem uma fase oral bem intensa.
  • Cães inseguros, que apresentam medo. Que geralmente sua rotina sofre uma mudança brusca e que perdem o controle do ambiente, levando ao cão urinar e defecar em locais inapropriados.
  • Cães que sofreram um trauma severo em qualquer tempo de sua vida, principalmente enquanto seu tutor não estava no momento. Levando a esse cão desenvolver condicionamento pelo medo, querendo sair da situação estressante a qualquer custo.

Pensando assim, quando esses cães (nesses casos acima citados) sofrem uma separação de seus tutores, destroem objetos, defecam e urinam em locais indesejados, tentam escapar do ambiente a qualquer custo. Porém todos têm algo em comum, o medo e a ansiedade.

FATORES QUE DESENCADEIAM A SAS

Hipervinculação

A Hipervinculação é um dos principais sintomas de um cão que sofre de SAS. Ela geralmente é desencadeada pela retirada precoce desse cão da ninhada. Esse cão vê o tutor como uma “figura materna”. Além disso, o contato exagerado do tutor com esse cão, deixa que esse cão não crie independência e maturidade para enfrentar e resolver problemas do cotidiano. Também, a carência do tutor em querer ter seu cão em todos os momentos enquanto se encontra em casa pode acarretar e agravar a hipervinculação.

Mudanças

Troca de residência, mudança da rotina do tutor, viagem longa do tutor, entrada ou retirada de outro animal de estimação.

Raça, idade e sexo

Não há predisposição de raça, sexo e idade. Porém percebemos muitos relatos de SRDs (sem raça definida) devido a grande possibilidade de esse cão ter sido resgatado por abandono, sofrido traumas que nunca conseguimos traduzir corretamente.

Traumas

Separação precoce da mãe e ninhada e rejeição materna. Filhotes com menos de 60 dias de vida, isto é, separados da mãe e ninhada, sofrem um estresse pela separação. Outros traumas envolvendo mudanças de ambiente, morte ou separação dos familiares humanos também são levados em conta.

SINAIS CLÍNICOS

Os sinais clínicos são bem difíceis de serem observados já que eles acontecem na ausência do tutor. Porém esses sinais já acontecem quando o tutor está prestes a sair de casa e quando ele chega também. Em outros momentos, quando deixamos esse cão sendo filmado, podemos perceber vários comportamentos como: latidos excessivos, uivar, raspar a porta, destruir objetos (principalmente os objetos que o tutor mais usa), urinar e defecar em locais inapropriados, não tirar o olhar da porta em que o tutor saiu, e até a depressão.

Esse cão não faz nada além de dormir e esperar seu tutor chegar em casa. Alterações fisiológicas como ansiedade, medo, desconforto, aumento do batimento cardíaco, aumento da frequência respiratória, salivação, diarreia, falta de apetite, devido ao estresse que esse cão passa.

A resposta comportamental sobre os eventos aversivos é variada e geralmente o cão responde de acordo com o nível de intensidade que aquele evento é para ele. Desde aumentar o nível de vigilância até entrar em um estado de medo e ansiedade.

Ansiedade pré-partida

Cães que apresentam SAS desencadeiam um estado de ansiedade quando seu tutor se prepara para sair de casa. Geralmente ficam agitados, começam a latir, pular no tutor, tentar sair de casa para ir junto até um estado mais depressivo como deitar e não querer se mexer.

Alguns sintomas como sialorréia, taquicardia, vômitos e diarreia podem acontecer. Esses cães percebem pela rotina do seu tutor que ficarão sozinhos (criando uma associação negativa com a saída do tutor).

Vocalização excessiva

A vocalização excessiva pode ser desde um choro, latido, uivo, ganido. E que geralmente percebemos somente quando os vizinhos começam a reclamar. Cerca de 47% dos cães apresentam esse comportamento.

Xixi e cocô em lugares indesejados

Geralmente, quando não percebemos ou não sabemos que outros comportamentos ocorrem, este é o único que o tutor consegue perceber quando chega em casa. Esse é um comportamento mais preocupante, pois o cão está em um nível de ansiedade tão intenso e um medo excessivo a ponto de urinar e defecar em lugares inapropriados. Porém precisamos ver caso a caso. Pois alguns cães podem urinar e defecar em lugares errados por outros motivos também.

Cumprimentos exagerados

O cão fica em um nível de excitação intenso quando seu tutor retorna a casa. Esse é um dos comportamentos mais identificados pelos tutores.

Comportamento destrutivo

O comportamento destrutivo tem diversas causas e nem sempre está relacionado a SAS. Porém, quando relacionada, às destruições acontecem na tentativa do cão sair do local que está, ou seja, arranhando, mordendo portas, portões e janelas (principalmente as portas de onde seu tutor saiu).

Geralmente vão apresentar lesões de patas e bocas, dentes quebrados e cerrados. Geralmente esses cães também destroem objetos que o tutor mais usa como, por exemplo, sapatos, meias, celulares, controles de tv, óculos. Destroem objetos onde mais o tutor dá atenção. Vamos pensar em um exemplo, o tutor de um determinado cão passa uma manhã cuidando de sua floreira, sem dar atenção ao seu cão. Em seguida, o cão destrói a floreira toda. Esse comportamento é visto erroneamente como uma “vingança” para seu tutor.

Diagnóstico

Ele é fechado através da queixa do tutor. Porém, como geralmente o tutor não vê de fato o que está acontecendo, a gravação de um vídeo no momento em que o tutor sai de casa é importante para o diagnóstico. Outras queixas como problemas com a vizinhança por causa dos choros e latidos, xixi e cocô em lugares indesejáveis e destruição de objetos também conseguimos fechar o diagnóstico. Um bom diagnóstico se inicia com um exame físico e clínico completo a fim de excluir possíveis problemas de saúde que colocam a vida do animal em risco.

TRATAMENTO

O tratamento da SAS é sempre adaptado para o estilo de vida daquele animal e tutor. E sempre focado no intuito de que esse cão não piore seu estado de medo e ansiedade. Isto é, trabalhar sempre com baixos estímulos e ir aumentando gradativamente, sempre de acordo com o desempenho de cada animal. Um tratamento completo se dá em mudança no manejo ambiental, modificação comportamental e terapia medicamentosa, a fim de aliviar a ansiedade do cão, facilitar a evolução da terapia comportamental e melhorar o bem estar desse animal.

Técnicas de independência e desapego: 

  • Ensinar o cão a ficar sozinho
  • Sempre reforçar comportamentos mais calmos do cão como quando estiver roendo um brinquedo, quando estiver dormindo, em outro cômodo, quando estiver brincando com outro cão, relaxado.
  • Ignorar quando estiver chorando, latindo, entre outros comportamentos indesejáveis a fim de chamar atenção.

Treino do comando FICA

Trabalhar o comando FICA, isto é, treinar seu cão a ficar em um determinado lugar, aumentando gradativamente seu tempo e sua distância do cão. Esse treino possibilita que seu cão fique mais calmo e relaxado nesses pequenos momentos de distância.

Enriquecimento ambiental

Sabemos que o cão tem necessidades da espécie como farejar, cavar, destrinchar…

Procure entretê-lo como estímulo aos próprios brinquedos com petiscos. Também podemos preparar brinquedos como por exemplo, coco verde, garrafas pet, caixas de papelão, cordas, panos… mas sempre tendo o cuidado para que seu cão não engula alguns objetos.

Ensinar o cão a brincar com brinquedos durante sua ausência

Alguns cães não sabem e não gostam de brincar, principalmente na ausência do tutor. Procure brincar com ele primeiro. Deixe-o interessado pela brincadeira. Sempre comece pelos brinquedos mais fáceis e vá aumentando o nível de dificuldade aos poucos. Ninguém começa um jogo no nível hard, concorda?!

Treinos de saída do tutor

Os estímulos que associe a saída do tutor como calçar os sapatos, pegar a chave do carro, borrifar perfume, fechar a porta de casa entre outros devem ser feitos várias vezes ao dia, em momentos aleatórios e na presença do animal, sem que elas respondam a saída de fato, a fim de dissociar os sinais das partidas fazendo com que estas não provoquem mais ansiedade quando acontecer de fato.

Treinamento de saídas e chegadas menos eufóricas

Evite dar atenção enquanto seu cão estiver eufórico. Sem querer, só reforçamos ele ficar cada vez mais ansioso na sua saída e chegada. Espere ele se acalmar e esquecer de você para dar atenção a ele.

Exercícios Tutor-Cão:

Ter um momento de caminhada, brincadeira, ou seja, interações durante o dia a dia pode ajudar a reduzir os sintomas da SAS.

TERAPIA MEDICAMENTOSA

O uso de medicamentos aliados ao treino pode ser um ótimo auxiliar, principalmente nos casos mais severos onde o cão tem uma resistência maior à frustração. Os fármacos auxiliam nas reduções de sintomas rápidos principalmente nos casos de ansiedade. Porém, a escolha do melhor fármaco somente o veterinário comportamentalista poderá fazer.

Exames como hemograma, função renal, hepática e exame físico, são imprescindíveis antes de prescrever o fármaco.

Clomipramina

É um antidepressivo tricíclico mas bem tolerado ao uso nos casos de SAS;

Imipramina

Também é um antidepressivo tricíclico usado quando tem associação com eliminações inadequadas. Os efeitos colaterais destes medicamentos são grandes e têm restrições a cardiopatas e animais que apresentam convulsões.

Fluoxetina

É uma droga da classe dos Inibidores de Recaptação da Serotonina Seletivos (IRSS) muito mais indicada para SAS, devido ao fato dos efeitos colaterais serem menos graves.

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